Termo: O significado etimológico de filosofia é "amor à sabedoria".
Antes de se usar o substantivo "filosofia" usaram-se o verbo
"filosofar" e o nome "filósofo". Heráclito afirmou que
convém que os homens filósofos sejam sabedores de muitas coisas. Atribui-se a
Pitágoras o ter-se chamado a si mesmo filósofo, mas não só se discute a
autenticidade da afirmação como, principalmente, se neste contexto filósofo
significa o mesmo que para Sócrates e Platão. Por aquele tempo, considerava-se
como filósofo todo o sábio, sofista ou historiador, físico e fisiólogo. As
diferenças entre eles obedeciam ao conteúdo das coisas que estudavam: os
historiadores estudavam factos (e não só factos históricos), os físicos e
fisiólogos o elemento ou os elementos últimos de que se supunha composta a
natureza. Todos eram, contudo, homens sapientes e, portanto, todos podiam ser
considerados (como fizeram Platão e Aristóteles) como filósofos. Esta tendência
para o estudo teórico da realidade a fim de conseguir um saber utilitário
acerca dela, em conjungo com a tese da diferença entre a aparência e a realidade
(já em Platão é explícita), tornou-se cada vez mais acentuada no pensamento
grego. A concepção da filosofia como uma procura da filosofia por ela própria
conclui numa explicação do mundo que utiliza um método racional-especulativo,
coincida ou não com a mitologia. Desde então o termo filosofia tem valido com
frequência como expressão desse "procurar a sabedoria".
Origem: Inicialmente, com efeito, a filosofia estava misturada com a mitologia e com a cosmogonia; isto tem levado a perguntar se a filosofia grega carece de antecedentes ou não. Alguns autores indicam que as condições históricas dentro das quais emergiu a filosofia (fundação de cidades gregas nas costas da Ásia Menor e no sul da Itália, expansão comercial, etc) são peculiares da Grécia e, portanto, a filosofia só podia surgir entre os gregos. Outros assinalaram que há influências orientais, por exemplo egípcias. Outros, finalmente, indicam que na China e especialmente na Índia houve especulações que merecem, sem restrições, o nome de filosóficas. Qualquer que seja a posição que se adopte, é forçoso reconhecer que os sentidos que o termo "filosofia" atingiu a sua maturidade apenas na Grécia. Por tal motivo, nesta obra, limitar-nos-emos primordialmente à tradição ocidental, que se inicia na cultura grega.
Significação: Assinalou-se
acertadamente que, enquanto perguntar "o que é a física?" não é
formular uma pergunta pertencente à ciência física, mas sim anterior a ela,
perguntar, em contrapartida, "que é a filosofia?" é formular uma
pergunta eminentemente filosófica. Assim, cada sistema filosófico pode valer
como uma resposta à pergunta acerca do que é a filosofia e também acerca do que
representa a atividade filosófica para a vida humana. Segundo Platão e
Aristóteles, a filosofia nasce da admiração e da estranheza; mas enquanto para
o primeiro é o saber que, ao estranhar as contradições das aparências, chega à
visão do que é verdadeiramente, as ideias, para o segundo a função da filosofia
é a investigação das causas e princípios das coisas. O filósofo possui, na
opinião de Aristóteles, "a totalidade do saber na medida do possível, sem
ter a consciência de cada objecto em particular". A filosofia conhece por
conhecer; é a mais elevada e, simultaneamente, a mais inútil de todas as ciências,
porque se esforça por conhecer o cognoscível por excelência, quer dizer, os
princípios e causas e, em última instância, o princípio dos princípios, a causa
última ou Deus. Por isso a filosofia é chamada por Aristóteles, enquanto
metafísica ou filosofia primeira, teologia; é a ciência do ente enquanto ente,
a ciência daquilo que pode chamar-se com toda a propriedade a Verdade. Desde
Platão e Aristóteles sucedem-se as definições da filosofia, que compreende
também um conteúdo religioso e uma norma para a acção, como no estoicismo e no
neoplatonismo. O cristianismo irrompe com uma negação da filosofia, mas já em
Santo Agostinho se verifica uma assimilação entre o antigo saber e a nova fé. A
resposta que a idade média dá à pergunta pela filosofia vem determinada por
esta perspectiva, da qual o cristão contempla o saber transmitido pela
antiguidade e procura absorvê-lo. A filosofia é então aspiração ao conhecimento
dado que estabelece a fé. Mas este conhecimento não pode transcender os limites
impostos pelo racional e por isso a filosofia vai-se separando cada vez mais da
teologia, vai-se reduzindo à esfera onde se aplica a luz natural do homem em
todo o seu esplendor, mas ao mesmo tempo , em toda a sua limitação. A tensão
entre o mundo da fé e o da razão testemunha os direitos que se reconheceram a
ambas as esferas do saber. Na filosofia moderna multiplicam-se as definições da
filosofia; recolheremos algumas. Para Bacon, a filosofia é o conhecimento das
coisas pelos seus princípios imutáveis, e não pelos seus fenómenos
transitórios; é a ciência das formas ou essências e compreende no seu seio a
investigação da natureza e das suas diversas causas. Para Descartes, a
filosofia é um saber que averigua os princípios de todas as ciências e,
enquanto filosofia primeira ou metafísica, ocupa-se da dilucidação das verdades
últimas e, em particular, de Deus. A partir de Descartes, a filosofia vai-se
tornando pronunciadamente crítica. Locke, Berkeley e Hume consideram a
filosofia, em geral, como crítica das ideias abstractas e como reflexão sobre a
experiência. Quanto a Kant, concebe a filosofia como um conhecimento racional
por princípios, mas isto exige uma prévia delimitação das possibilidades da
razão e, portanto, uma crítica à mesma como prolegómenos ao sistema da filosofia
transcendental. Nos filósofos do idealismo alemão, a filosofia é o sistema do
saber absoluto, desde Fichte, que a concebe como a ciência da construção e
dedução da realidade a partir do Eu puro como liberdade, até Hegel, que a
define como a consideração pensante das coisas e que a identifica como o
Espírito absoluto no estado do seu completo autodesenvolvimento. Schopenhauer
sustentou que a filosofia é a ciência do princípio de razão como fundamento de
todos os restantes saberes, como a auto-reflexão da vontade. Para o
positivismo, é um compêndio geral dos resultados da ciência e um filósofo é
"um especialista em generalidades". Segundo Husserl, a filosofia é,
em si mesma, uma ciência rigorosa que conduz à fenomenologia como disciplina
filosófica fundamental. Para Wittgenstein e muitos positivistas lógicos, em
compensação, a filosofia não é um saber com conteúdo, mas sim um conjunto de
actos; não é conhecimento, mas actividade. A filosofia seria uma
"aclaração" e sobretudo uma "aclaração da linguagem", para
o descobrimento de pseudoproblemas. Portanto, a missão da filosofia não
consiste em solucionar problemas, mas em desanuviar falsas obsessões: no fundo
a filosofia seria uma purificação intelectual. Para Bergson, em contrapartida,
a filosofia possui um conteúdo: o que se dá à intuição, rasgado o véu da
mecanização que a espacialização do tempo impõe à realidade: a filosofia
utilizaria como instrumento a ciência, mas aproximar-se-ia melhor da arte. O
importante é que a reflexão sobre as diferentes atitudes ante o problema da
filosofia permitiu que se vá tendo uma crescente consciência do própria
problema. Esta consciência manifestou-se especialmente nas investigações de
Dilthey, que se esforçou por dilucidar o que chamou"filosofia da filosofia".
graças a estas e a outras tentativas, chegou-se a erigir, embora ainda
imperfeitamente, uma verdadeira teoria filosófica da filosofia, teoria que tem
a sua justificação no facto de a filosofia não ser nunca, por princípio, uma
totalidade acabada, mas uma totalidade possível.
Fonte: José Ferrater Mora,
"Dicionário de Filosofia", Publicações D. Quixote.
Boa introdução, o texto utilizado apresenta de maneira clara a filosofia e ao mesmo tempo convida ao leitor. Mal posso esperar para acompanhar os comentários que vocês mesmos apresentarão sobre os temas aqui no blog de vocês. Abraço!
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